Gutemberg Fialho, presidente do SindMédico, fala que a situação da Saúde Pública no DF, necessita de medidas emergenciais, e que pessoas estão morrendo nos hospitais por falta de atendimento. Declara que por falta de equipamentos, os profissionais estão praticando “medicina medieval”
Por Delmo Menezes
Em entrevista concedida ao Agenda Capital, o presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal (SindMédico), Gutemberg Fialho, faz críticas contundentes ao modelo de gestão através de Organizações Sociais (OSs), que o governo pretende implantar no DF, e ressalta que este modelo já foi testado no passado através da “Real Sociedade Espanhola” no Hospital de Santa Maria, que até hoje responde por desvio de mais de 9 milhões de reais.
Gutemberg afirma que frequentemente o governo do DF, tem citado o Hospital da Criança e o Sarah Kubitschek como modelos de “OSs”, que estão dando certo no DF. Segundo ele, o modelo de gestão do Hospital da Criança que foi concluído pelo governo Agnelo, não se repete mais, pois foi construído pela ABRACE com ajuda de empresários. A Secretaria de Saúde, repassa mensalmente, um montante para manutenção dos serviços, pagamento de pessoal e administração. Sobre o Sarah, Gutemberg afirma que é uma “OS” federal, financiada com recursos da União.
Sobre as Organizações Sociais que o governo pretende trazer para o DF, Gutemberg ressalta, que são empresas novas, que só visam lucro, com aditivos contratuais, aumentando os custos.
Gutemberg afirma que o governo do DF quando usa os meios de imprensa para mostrar que a contratação de “OSs”, vai melhorar a saúde pública do DF, na realidade está mentido à população e atestando sua incapacidade de gestão.
Leia a entrevista na íntegra:
Agenda Capital – O governo em recente entrevista aos órgãos de imprensa, declara que em até 45 dias depois da implantação das “OSs”, a população vai sentir as melhorias no sistema de Saúde Pública do DF. Como o senhor avalia esta declaração?
Gutemberg Fialho – Esta declaração do governador ou do Secretário de Saúde, dá a impressão que um ou outro tiveram um “surto”, tiveram um “delírio”. Ninguém vai resolver o problema de saúde no DF em 45 dias. Vai levar anos. Nós precisamos no momento, é que o governo apresente um plano emergencial para resolver o problema que é grave, que ocorre nas emergências dos hospitais.
AC – Já existem instituições que foram qualificadas como Organizações Sociais para atuar no Distrito Federal. O que o senhor tem a dizer sobre isso?
GF – Faltou transparência, e três delas são alvos de processos judiciais. Aliás, existe uma pesquisa que chegou em minhas mãos pela Universidade Federal do Espírito Santo, apontando que 90% dos dirigentes de Organizações Sociais em todo o país, tem pendências com a justiça, 88% respondem por improbidade administrativa e 2% por estelionato. Nós temos aqui no DF, uma “OS” sugerida pelo governo, que está respondendo processo no Estado de Alagoas, onde seus dirigentes não respeitam os direitos dos trabalhadores.
AC – Desde que o governo Rollemberg assumiu o DF, 04 secretários já passaram pela Secretaria de Saúde, e até hoje não vimos melhorias na gestão. A culpa é do governo, dos gestores ou do modelo de gestão?
GF – Estas constantes mudanças de gestores são preocupantes, porque você não tem uma linha de continuidade nas políticas públicas de saúde, e demonstra que Rollemberg, não tinha um plano de governo para a área, ou se teve, não foi implementado. Em curto espaço de tempo vários secretários já passaram pela pasta, e não conseguiram melhorar os indicadores de saúde, pelo contrário, eles só pioraram. Na realidade, o secretário atual, Humberto Fonseca, está sendo instrumentalizado pelo governo, para tentar destruir o modelo atual, a fim de implantar as “Organizações Sociais” no Distrito Federal. Mudar simplesmente o modelo de gestão, não vai alterar em nada, muito pelo contrário. Para você ter uma ideia, recentemente o vereador Paulo Pinheiro, do Rio de Janeiro, que foi diretor do hospital Miguel Couto, mostrou aqui no Sindicato dos Médicos, com dados e indicadores, o gasto que está sendo utilizado pelas “OSs”, no Rio de Janeiro, e que hoje até para rescindir o contrato, está difícil, porque o sistema público de saúde no Rio, está tão precário, depois do gerenciamento através das “OSs”, que vai levar um bom tempo para recuperar. Na realidade o governo na ânsia de trazer as “OSs” para o DF, desconhece o que ocorre no restante do País, usa um discurso demagógico e mente para a população.
AC – O governo afirma que com a implantação das “OSs” vai aumentar a cobertura da atenção primária. O senhor acredita nisso?
GF – “OS” não é bom de jeito nenhum. Na realidade vai ser difícil trazer médicos de fora. Hoje temos na rede, apenas 30 médicos especializados em Saúde da Família, trabalhando 40 horas por semana. No Brasil inteiro, são quatro mil médicos de família e comunidade. Três mil deles, estão concentrados na região Sudeste e no Sul. Todo profissional médico, sabe que o vínculo de trabalho com “OSs”, é precário e não vai abandonar seu estado de origem para viver aqui no DF. Assumir compromisso de aluguel, escola de filhos, sem ter garantias. Por isso, o concurso público é necessário. A formação de um desses profissionais, passa por uma especialização de 03 anos, além dos 06 da formação básica em Medicina. Falta gestão da Secretaria. Atenção primária é uma questão de Estado. Ela não pode ser terceirizada. Tem que ser construída pelo Estado com servidores estáveis. Quando você entrega uma política de Estado ao setor empresarial no regime celetista, é um problema. Estamos vendo nas “OSs” por aí a fora, um total desrespeito aos direitos trabalhistas, com interrupção dos serviços.
AC – O GDF afirma que fica mais fácil fazer compras e contratações por meio de Organizações Sociais. O senhor discorda disso?
GF – Sim. Isso é uma admissão de incompetência. Licitação e concurso público tem razão de ser. Licitação para evitar desvios e corrupção, concurso público para garantir a continuidade da prestação dos serviços públicos. Não se pode usar um modelo de gestão para burlar as leis de licitação e de admissão no serviço público. E o Tribunal de Contas do DF, que é o órgão de controle das contas do Estado, já afirmou mais de uma vez que a contratação de trabalhadores terceirizados por meio de Organizações Sociais, entra no cálculo da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), porém o governo quer burlar essa lei também. A contratação de “OSs” pode não ser ilegal, mas é imoral porque foi concebida para burlar as leis criadas para organizar e moralizar o serviço público. Se há problemas com essas leis, então elas devem ser mudadas. Se começarmos a criar os famosos “jeitinhos” para chegarmos aos objetivos sem cumprir as normas, vamos cair em um caos maior do que vivemos agora, justamente porque os governantes têm deixado de cumprir o que é determinado pela legislação. Todos os instrumentos de gestão usados na administração privada, podem ser usados perfeitamente na administração pública, como por exemplo, planejamento, cumprimento de metas, avaliação de desempenho e valorização dos servidores. A Saúde é direito do cidadão e dever do Estado.
AC – Temos presenciado diariamente nos hospitais, voluntários ajudando pacientes na aquisição de roupas de camas, cadeiras de rodas e até medicamentos. Isto não seria o papel do Estado?
GF – Isto é uma situação grave, porque o estado não cumpre com o seu papel, e o cidadão na tentativa de resolver as demandas da sociedade e da população, até no exercício louvável de cidadania, está exercendo aquilo que é direito do Estado, mostrando incompetência gerencial. Quando a sociedade civil exerce o papel do Estado, significa um certificado de incompetência da gestão. É o que nós temos denunciado diuturnamente, falta competência de gestão.
AC – Em 2013 na gestão anterior, foram inaugurados mais de 30 leitos de UTI’s no Hospital de Base, hoje estes leitos estão fechados. Como o senhor avalia esta situação?
GF – Estes leitos estão fechados, e se depender do atual secretário de saúde e do governador, vão continuar fechados. Quando se fecha leitos de UTI, significa que pacientes vão morrer. Falta mão de obra e recursos humanos. O governo vem com uma proposta de implantação de uma política de atenção primária através de “OS”. É bom frisar que esta proposta é para médio e longo prazo. O próprio secretário de saúde em entrevista declarou que os resultados não serão de imediato, e aí nós perguntamos, onde está o plano emergencial para estancar esta infinidade de óbitos que estão ocorrendo nos hospitais públicos do DF. Outra pergunta que não quer calar. Onde estão os 244 milhões de reais que serão investidos nestas “OSs”? E onde está o compromisso do governo em melhorar o abastecimento da rede, para que o paciente não morra? Falta hemodiálise, “stent cardíaco”, marcapasso, antibióticos, entre outras coisas. Esta visão médica é importante a longo prazo, mas é perversa no momento atual, porque a vida humana é o bem maior do Estado, e o governo não está preocupado com ela. Está preocupado em uma teoria, enquanto a população está morrendo.
AC – Temos visto que os servidores da saúde estão muito desmotivados. Isto não está refletindo no atendimento à população?
GF – Os servidores públicos de um modo geral, estão sobrecarregados, estão trabalhando doentes, adoecendo no trabalho. Na rede temos profissionais de todas as especialidades com doenças ocupacionais, por falta de uma política de inclusão de recursos humanos. Na segurança é a mesma coisa. O Distrito Federal está com um déficit enorme de policiais civis, militares e professores. Nós temos um absenteísmo enorme na educação. Não é um absenteísmo sem causa, é devido as péssimas condições de trabalho. O governo ainda tem uma política de assédio moral com estes servidores, atribuindo o absenteísmo, aos atestados médicos graciosos. Isto é um desrespeito aos servidores do DF, que tem a qualidade que tem, devido a abnegação e o compromisso com a prestação de serviços a sociedade.
AC – Os ortopedistas da rede em reunião aqui mesmo no Sindicato, fizeram graves denúncias em relação a falta de materiais cirúrgicos. Como o senhor avalia esta situação?
GF – É repetitivo, porém é falta de planejamento, falta de gestão, falta de compromisso. Na reunião que tivemos quarta-feira passada, no SindMédico, os Ortopedistas da rede pública de Saúde, verbalizaram e denunciaram óbitos de pacientes com fraturas de fêmur, que poderia ter sido evitado, se houvesse materiais cirúrgicos. Um dos médicos, afirmou que 15 pacientes aguardam cirurgia, com risco de morte, e a Secretaria de Saúde ainda não conseguiu comprar este material. Ali demonstra como o gestor é ineficiente. Estavam presentes na reunião, o secretário de saúde e a adjunta.
AC – O governo lançou o programa “Brasília Saudável”. Este programa na sua opinião vai resolver os problemas de Saúde Pública no DF?
GF – A proposta apresentada não vai resolver os problemas emergenciais. Como é que você vai resolver o problema da clínica médica do hospital de Brazlândia, o problema do hospital de Base, como é que você vai resolver o problema da nefrologia, como vai resolver o problema da cardiologia do Base. No hospital de Brazlândia, estivemos segunda-feira, e lá não tem “raio x”. Os médicos estão praticando medicina medieval, baseada no olho clínico. Onde deveria ter tomógrafo, ressonância magnética, não tem nem sequer aparelho de “raio x”. A proposta que o governo está apresentando, no momento não resolve. Faltam profissionais no mercado e na Secretaria. Hoje a rede dispõe de somente 30 médicos especializados em Saúde da Família. A qualificação e a profissionalização de 01 médico da família, leva no mínimo 03 anos.
Tendo em vista as considerações do presidente do Sindicato dos Médicos do Distrito Federal, Gutemberg Fialho, o Agenda Capital, abre espaço para um posicionamento do Governo sobre o tema em comento.
Fonte: Agenda Capital