Programa Saúde da Família agoniza no Distrito Federal



Programa considerado carro-chefe do governo sofre com sobrecarga e falta de estrutura

Por Francisco Dutra
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Falhas críticas no Saúde da Família atormentam a população e os servidores públicos do Distrito Federal. Na propaganda, o governo Rollemberg (PSB) brada números crescentes da cobertura da Atenção Básica. Mas na vida real, o diagnóstico do programa aponta para equipes sobrecarregadas e sem a mínima estrutura de retaguarda para o tratamento de pacientes.

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O reforço da Atenção Primária é o passo correto para retirar a saúde pública de Brasília do atoleiro, pois foca na prevenção de doenças e, assim, desafoga os hospitais. Segundo a presidente do Sindicato dos Enfermeiros (SindEnfermeiro), Dayse Amarílio, para inflar as estatísticas, o governo desmontou os antigos serviços da Atenção Básica, sobrecarregando o novo modelo. Além disso, não tirou do papel a estrutura para a continuidade do tratamento dos pacientes após o primeiro diagnóstico do Saúde da Família, dentro da rede pública.

O modelo entra em estado de agonia com a sobrecarga do número de pacientes por equipe. O Ministério da Saúde (MS) sugere 3.750 pessoas para cada time. O projeto de Brasília teria a linha de corte de 4 mil. Mas esta fronteira seria desrespeitada, com respaldo de dados demográficos defasados.

Uma área de Ceilândia com 40 mil habitantes, por exemplo, conta com somente 6 equipes. O drama se repete, de maneira mais preocupante, no Riacho Fundo, Planaltina, São Sebastião, Sobradinho, Samambaia, Paranoá, Itapoã e Recanto das Emas.

“Hoje, a Assistência Primária funciona como uma porta aberta de emergência. Não nos negamos, mas precisamos das condições para trabalhar. Não conseguimos fazer o cadastro da população, acompanhamentos, nem fazer as visitas preventivas. Está tudo parado. Fazemos atendimento de urgência e emergência”, denuncia Dayse.

Na avaliação do presidente do Sindicato dos Médicos (SindMédicos), Gutemberg Fialho, a distorção do programa detona uma onda de faltas e licenças médicas entre os servidores. “O discurso do governo sobre o (programa) Saúde da Família é uma grande ‘fakenews’. Está todo mundo sobrecarregado e adoecendo”, resume.

Ao mesmo tempo, a rede começa a gerar sinais de falência da Atenção Básica. Conforme o balanço da Cobertura da Atenção Básica, produzido pelo MS, a presença do Saúde da Família no DF saltou de 28.67% em janeiro de 2015 para 39.39% em abril de 2018. Mas a Atenção Básica regrediu de 61.09% para 58.73% no mesmo período. O grande problema é que em Brasília o Saúde da Família é a Atenção Básica.

A conta fica mais amarga com o desempenho dos procedimentos de produção ambulatorial da Secretaria de Saúde. Em 2016, foram feitas 9.149.777 consultas. No entanto, em 2017, os atendimentos à população recuaram para 9.021.798. Cento e vinte e sete mil a menos.

População e servidores desistem

Massacrada pelo baixo desempenho do Saúde da Família, a população começa a desistir da rede pública. “O pessoal está se automedicando, abre umas páginas na internet e compra os remédios. E quem não tem dinheiro vai levando até cair doente para ser internado em um hospital, se tiver sorte”, lamenta o pintor Hinio Marcelino de Sousa Ribeiro, 47 anos, que é líder comunitário da Guariroba, em Ceilândia.

Hinio e a comunidade da região batalharam para manter a Unidade Básica de Saúde da região aberta, junto com o Saúde da Família. Perderam a queda de braço. Atualmente, as equipes da região mal dão conta de fazer o cadastramento da população. E os postos de saúde das vizinhanças não seguram a barra dos atendimentos. Para Hinio, no estado atual, o novo programa é inútil e afasta a população da Atenção Primária.

Em relatos reservados, com medo de perseguições, servidores na ponta e na área administrativa revelam o descompasso do programa. “O descaso da gestão é assustador. O governo não escuta. Estamos abandonados. Não consigo mais atender ninguém. Se receber um paciente, acabo em uma emergência”, desabafa um personagem.

Segundo outra voz, o Saúde da Família é o remédio certo para a rede, mas a dosagem errada o transforma em veneno. “Todo o sistema está sucateado e funcionando mal. Já está em colapso. As equipes foram mal formadas. A gente se sente péssimo. Muita gente pensa em sair, inclusive eu”, crava.

Prometendo melhora, GDF nega descaso

A estrutura de retaguarda do Saúde da Família começará a ser construída neste ano. Segundo a coordenadora de Atenção Primária de Saúde, Alexandra Gouveia, as normativas para a construção dos serviços secundários e novas policlínicas serão concluídas até o fim de julho deste ano. Para a gestora, apesar das críticas dos servidores, o GDF está no caminho certo. “A Saúde da Família não é a estratégia perfeita. Mas é a melhor estratégia”, garante.

Na versão do governo, o senso para o dimensionamento das equipes tem como base os cálculos mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “Nenhuma equipe nossa cadastrou mais de 4 mil habitantes”, declara Gouveia. Caso aja uma “sobrecarga”, o GDF pode fazer um remanejamento de pessoal, completa.

Houve aumento de equipes na Estrutural e já está no forno a ampliação de times no Paranoá Parque. Sobre os números do Ministério da Saúde, a coordenadora argumenta que, para o Governo Federal, o DF não é mais avaliado pelo balanço da cobertura, justamente por adotar modelo exclusivamente fincado no Saúde da Família.

Quanto à queda de 127 mil consultas citadas na primeira parte da matéria, a justificativa é que houve uma mudança de sistema entre 2016 e 2017 e, por isso, dados foram perdidos. O DF possui 347 equipes registradas no MS. “Mas temos 540 (equipes) em formação. Precisamos superar um problema jurídico para contratar agentes comunitários para elas”, completa Gouveia.

Conforme o relato da coordenadora, existem equipes engajadas com o programa. “O processo de formação é contínuo. E os servidores têm espaço para o aperfeiçoamento. E, no próximo concurso, chamaremos médicos especialistas em Saúde da Família”, conta.

Alexandra não possui números do absenteísmo, mas estuda o fenômeno no Paranoá, Itapoã e São Sebastião. A quantidade de desistências também é um dado nebuloso. Com perfil técnico, ela nega uma condução política do programa em 2018, ano em que o governador batalha pela reeleição.

Saiba mais

Servidores relatam que as distorções do programa prejudicam principalmente os atendimentos de problemas cardíacos, gastrointestinais, hipertensão grave, diabéticos graves e pré-natal.

Os dados consolidados da mortalidade de pacientes estão distantes das mãos dos servidores. Mas relatos extraoficiais de funcionários de hospitais despertam preocupação para o número de abortos, infartos e acidentes vasculares cerebrais (AVCs).

Em alguns pontos da rede, equipes do Saúde da Família precisam se desdobrar para prestar atendimento para pacientes vítimas de violência.

Apesar de todos os problemas, a presidente do SindEnfermeiro, Dayse Amarílio, ainda acredita no programa. Neste sentido, avisa, o sindicato está aberto ao diálogo com o GDF para recolocar o trabalho nos trilhos.

Filiado ao PR, Gutemberg Fialho é inimigo declarado do governo Rollemberg. O presidente do SindMédicos protagonizou um escândalo quando declarou que a categoria iria boicotar o GDF.

Fonte: Jornal de Brasília



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