Por Ana Luiza Vinhote
Maria (nome fictício), 33 anos, só descobriu que sofria violência psicológica depois de denunciar o ex-marido na Delegacia de Atendimento Especializado à Mulher (Deam). Logo após registrar a ocorrência, a professora foi encaminhada ao Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam). Durante os meses de atendimento, ela entendeu que não era responsável pelo fim do casamento de oito anos, como o ex-companheiro a havia induzido a acreditar.
“Quando constataram que, pelos meus relatos, quem tinha problemas era ele e não eu, não acreditei” conta. “Sozinha, eu não conseguia perceber que durante todos esses anos vivi um relacionamento abusivo. Ele dizia que eu era louca, colocava a culpa de tudo em mim e ainda me ameaçou de morte, além de tentar tirar a guarda do nosso filho dizendo que eu era negligente. As pessoas de fora percebem, mas a gente que está vivendo aquela violência, não.”
Graças ao atendimento oferecido pelo GDF, Maria garante que vem se sentindo acolhida e amparada. “Todos acreditaram em mim, validaram os meus sentimentos. Há muitas mulheres que, assim como eu, não sabem que estão sofrendo algum tipo de violência, mesmo com marcas físicas. Apesar de ser a vítima, a gente se culpa. Por isso é fundamental termos esse apoio”, comenta.
“Há muitas mulheres que, assim como eu, não sabem que estão sofrendo algum tipo de violência, mesmo com marcas físicas”Maria
Atualmente, ela e os dois filhos – um deles fruto de outro relacionamento – recebem tratamento psicológico no Pró-Vítima, programa de atendimento de psicologia e de assistência social voltado a vítimas de violência doméstica, intrafamiliar, psicológica, física, sexual e institucional e a seus familiares.
Apesar de sofrer violência física, sexual, moral, psicológica e patrimonial, Joana (nome fictício), 46 anos, também só percebeu os abusos quando as agressões ameaçaram atingir suas filhas. “Quando caiu a ficha, eu fiquei com medo e cogitei retirar a queixa na Deam”, relembra. “Depois que me encaminharam para o Nafavds [Núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica], comecei a me encontrar. Empoderei-me com o suporte legal e o apoio psicológico. Eu percebi que não estava só e tinha com quem contar”.
Joana relata que mudou sua forma de agir após conhecer esses programas. “Não vou deixar que minhas filhas passem pelo o que eu passei, pelo que eu vi minha mãe passar”, garante. “Agradeço todos os dias por ter tido a oportunidade de ter esse suporte. Fui bem-acolhida desde o primeiro momento. O olhar carinhoso de todos os profissionais é algo que não consigo descrever”.
“Não vou deixar que minhas filhas passem pelo o que eu passei, pelo que eu vi minha mãe passar”Joana
Apoio exclusivo
Maria e Joana têm histórias de vida bem parecidas, que se juntam às de mais de 20 mil mulheres assistidas pelos programas do GDF que, entre 2019 e 2020, têm acolhido vítimas de violência. Na capital federal, o público feminino conta com uma instituição exclusiva – a Secretaria da Mulher –, responsável por articular, junto a outros órgãos, políticas públicas destinadas a essa faixa.
A pasta recebe mulheres em medida protetiva sob grave risco de vida na Casa Abrigo. Elas são encaminhadas pela Deam, por outras delegacias ou por meio de ordem judicial. O endereço é mantido em sigilo, por motivos de segurança. Também há as unidades do Ceam. Localizados na Estação de Metrô 102 Sul, em Ceilândia e Planaltina, esses órgãos oferecem acolhimento e atendimento psicológico e social, orientação e encaminhamento jurídico à mulher.
Além da Casa Abrigo e das unidades do Ceam, existem os núcleos de Atendimento à Família e aos Autores de Violência Doméstica (Nafavds). O objetivo é provocar reflexões sobre as questões de gênero, comunicação e expressão de sentimentos e sobre a Lei Maria da Penha, entre outros temas. Para ter acesso ao serviço, basta comparecer à unidade mais próxima com RG, CPF e o número do processo judicial. Atualmente, são nove núcleos: Plano Piloto, Brazlândia, Gama, Paranoá, Planaltina, Samambaia, Santa Maria, Sobradinho e Taguatinga.
A secretária da Mulher, Ericka Filippelli, reforça que a pasta também oferece programas que buscam a independência financeira da população feminina. “[É o caso do] Rede Sou Mais Mulher e do Empreende Mais Mulher”, explica. “Ambos têm o objetivo de fazer com que elas tenham autonomia e independência econômica. A maioria delas não consegue sair de um relacionamento, porque depende financeiramente deles [os maridos ou companheiros]”.
“A maioria delas não consegue sair de um relacionamento, porque depende financeiramente dos maridos ou companheiros”Ericka Filippelli, secretária da Mulher
Em janeiro, o governo local regulamentou o programa Código Sinal Vermelho. As mulheres poderão registrar na palma da mão que estão sofrendo violência doméstica e procurar estabelecimentos comerciais que estarão aptos a chamar a polícia para atendê-las. Os funcionários desses locais serão orientados a acolhê-las de forma sigilosa. A vítima deverá ser levada para um local seguro e discreto até que possa receber atendimento especializado.
Pró-Vítima e Provid
Na Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus), as mulheres também podem ter atendimento psicológico e assistência. Lá, serão acolhidas e orientadas sobre os direitos delas socioassistenciais, além de participarem de sessões de terapia de apoio individual. “Com o Pró-Vítima, conseguimos oferecer às vítimas o apoio necessário para que possam superar esse momento tão difícil em suas vidas”, resume a titular da Sejus, Marcela Passamani. “A nossa equipe de profissionais está preparada para acolher, orientar e ajudá-las a restabelecer seu equilíbrio mental e emocional”.
“A nossa equipe de profissionais está preparada para acolher, orientar e ajudá-las a restabelecer seu equilíbrio mental e emocional”Marcela Passamani, secretária de Justiça e Cidadania
Já a Polícia Militar do DF atua no programa Prevenção Orientada à Violência Doméstica (Provid), que tem o objetivo de prevenir, inibir e interromper o ciclo de violência doméstica e familiar por meio do policiamento ostensivo e de visitas comunitárias. “Articulamos com outros órgãos que compõem a rede de enfrentamento para combater as agressões ou para que ela [a mulher] saia daquela situação”, explica a responsável pelo programa, a capitão Adriana Vilela.
“Articulamos com outros órgãos que compõem a rede de enfrentamento para combater as agressões ou para que a mulher saia daquela situação”Adriana Vilela, coordenadora do Provid
A maior parte dos atendimentos é feita por encaminhamentos do Tribunal de Justiça do DF e Territórios (TJDFT) e pelas varas de Violência, mas as demandas também chegam por meio do Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT), Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), conselhos tutelares, delegacias especializadas, unidades do Nafavd e defensoria pública. O policiamento também atende demais pessoas em contexto de violência, como crianças, adolescentes e idosos. A vítima pode solicitar atendimento pelo número 190 ou na delegacia de polícia mais próxima.
Mulheres em situação de rua
Além de atender mulheres vítimas de violência, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) também tem equipamentos de prevenção para aquelas em situação de rua. As unidades do Centro de Referência de Assistência Social (Cras) são a porta de entrada para o cidadão acessar a proteção social básica, assim como outras políticas públicas. Ao todo, são 27 unidades distribuídas em várias regiões administrativas da capital.
O Centro de Referência Especializado em Assistência Social (Creas) é outro espaço público de assistência social destinado a pessoas que estão vivendo situações de violência ou violação de direitos. Lá, a vítima será recepcionada e acolhida, fortalecendo vínculos familiares e comunitários. Ela receberá informações sobre seus direitos e terá acesso a outros serviços, benefícios e programas.
“O serviço de equipes que estão na rua aborda as pessoas para identificar e verificar as necessidades imediatas, se têm documentação”, explica a subsecretária de Assistência Social da Sedes, Kariny Veiga. “Será feita a orientação, o trabalho de escuta e sugestões de alternativas para que ela saia da condição de violência”.
Deam
Além da Delegacia de Atendimento Especial à Mulher (Deam) da Asa Sul, as mulheres ganharam outra unidade em Ceilândia – cidade mais populosa da capital. A delegada-chefe Carolina Litran lembra que as delegacias funcionam 24 horas por dia. “No momento do registro, são tomadas as medidas necessárias para proteger a vítima, como a medida protetiva, o encaminhamento para os programas oferecidos pelo governo local”, informa.
A gestora reforça a importância da denúncia para romper o ciclo de violência doméstica: “É uma responsabilidade da sociedade também. Não precisa ser a vítima para denunciar. Se conhecem pessoas nessa situação, também devem fazer sua parte. Estamos sempre disponíveis, inclusive para tirar dúvidas”.
Neste mês, o Distrito Federal passou a contar com um canal inovador para denúncias de violência doméstica – Maria da Penha On-Line. A nova modalidade é oferecida pela Delegacia Eletrônica da Polícia Civil. De forma pioneira, a ferramenta possibilitará a solicitação virtual de medidas protetivas, preenchimento do Questionário de Avaliação de Risco, representação contra o autor da violência, solicitação de acolhimento da vítima em Casa Abrigo, autorização para intimação durante o processo (via telefone, e-mail, WhatsApp ou outro meio tecnológico sério e idôneo) e, ainda, a possibilidade de anexar arquivos, como vídeos, documentos e imagens.