Por Kleber Karpov
A cantora e influenciadora Jordana Gleise de Jesus Menezes, conhecida por Jojo Todynho, voltou a se polemizar ao questionar a eficiência do Sistema Único de Saúde brasileiro. Com um discurso ‘raso’ sobre meias-verdades no que tange ao sistema de saúde pública brasileiro, a negação sobre o SUS repercutiu em diversas manifestações em contraponto à influencer.
PDNews, há mais de 10 anos a cobrir a editoria de Saúde, sob a ótica da gestão pública, fez um apanhado sobre as reações à manifestação de Jojo Todynho. Em 10 atos, essa reportagem aborda diversos aspectos relacionados ao SUS, e até mesmo o impacto da falta de um sistema de saúde tão amplo em outros países, a partir da percepção de usuários e de agentes que lidam com saúde pública diariamente. A intenção é oferecer uma visão mais ampla e uma melhor percepção sobre o sistema de saúde pública brasileiro.
Que mico foi esse, em 10 atos:
Embora aponte ser o “maior sistema integrado de saúde” a cantora não explicitou de quê, ou deu referencial comparativo, mas enveredou o discurso a apontar dificuldades reais enfrentadas por brasileiros, no dia-a-dia, usuários do SUS, ao exemplificar temas a exemplo da dificuldade de acesso a tratamento, da fila do Sistema de Regulamentação (SISREG) para acesso a procedimentos cirúrgicos, atendimentos, exames. Ou ainda da necessidade de judicialização para acesso a medicamentos.
Porém, tanto do ponto de vista sistêmico quanto de acesso, a cantora embora tente passar a percepção de compreensão da complexidade do SUS, o resume a dificuldade de acesso de parte dos usuários enquanto ignora totalmente, os que conseguem, o público alvo de 211 milhões de brasileiros cobertos pelo Sistema e uma gama de impactos, negativos, ao longo da pirâmide estrutural do SUS.
Em manifestação mais realista, a modelo, atriz de conteúdo adulto e também influenciadora Andressa de Faveri Urach, agradeceu por ter a vida salva no SUS há cerca de 10 anos. “Em 2014 fiquei internada pelo SUS porque não tinha dinheiro. O SUS salvou a minha vida. Então, Jojo, você cala a sua boca, tá? Lava essa tua boca para falar de mim […] Agora tá querendo dar uma de riquinha, de boazuda, tá convertidinha. Deus tá vendo os teus pecados. Hoje estou no hospital particular porque posso pagar, graças a Deus. ”.
Porém, a influenciadora foi além, e apontou uma visão mais realística ao apontar o impacto de práticas de corrupção, muitas praticadas por políticos, sobre a eficiência do SUS. “O SUS é incrível. Só não é melhor porque existe desvio de verbas, de políticos corruptos. porque o SUS é incrível. Então para de lacrar porque você está passando vergonha, você está ficando arrogante, com o olhar altivo.”
Reflexos da fala de Andressa Urach, pode ser facilmente verificado, por exemplo em ação da Polícia Federal (PF) que nesta semana realizou mandados de busca e apreensão em diversos municípios paulistas, e um na Bahia. Atuação essa possivelmente acompanhado por Jojo Todynho. Dentre os 28 alvos da PF estava o prefeito de Sorocaba (SP), Rodrigo Manga, conhecido por Prefeito ‘tiktoker’. E, por trás das investigações, estão o desvio de verbas da Saúde.
Talvez por ser carioca, Jojo Todynho que até com mais frequência que diversos estados brasileiros a dificuldade de acesso da população ao SUS, e com razão. O que infelizmente a cantora desconheça, conforme lembrou Andressa Urach, no que tange a raiz do problema. O Rio de Janeiro é um dos estados mais corruptos, quando o assunto é desvio de recursos da Saúde.
Em reportagens publicada por PDNews, em 2016, intitulada ‘Vereador aponta fragilidades e perigos das Organizações Sociais no Rio de Janeiro. Não faltam exemplos para Rollemberg‘ o médico pediatra e gestor de Saúde, Paulo Pinheiro (PSOL), então vereador da prefeitura do Rio de Janeiro (RJ), em palestra sobre Organizações sociais (OSS) no Sindicato dos Médicos do DF (SindMédico-DF), denunciava auditorias realizadas por parte do Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro, em contratos aleatórios foi detectada várias irregularidades. Segundo o Vereador nove das 10 OSs que prestam serviços no Rio de Janeiro apresentaram problemas. Dentre esses, sucateamento das estruturas de atendimentos, terceirização para OSS, sobrepreços e uma gama de outros problemas.
Também o enfermeiro e ex-Big Brother Brasil (BBB) Cesar Black, deu uma aula de SUS ao fazer contrapontos às críticas direcionadas ao SUS, ao lembrar que o SUS é responsável por atender mais de 211 milhões de brasileiros, em um país com dimensões continental e que problemas ocorrem e em geral impactadas por uma série de fatores, inclusive de demandas regionais ou municipais. “É impossível uma cobertura 100% perfeita no sistema de saúde universal. Mas isso não quer dizer que o SUS não funciona? — Ah, como você pode saber disso? — Porque eu trabalho no SUS há 11 anos, inclusive ontem estava de plantão na unidade de terapia intensiva do SUS, com 19 leitos, minto, 19 leitos, mas 18 pacientes.”
Embora, segundo dados do Sistema de Informações de Beneficiários (SIB) da Agência Nacional de Saúde (ANS) do Ministério da Saúde (MS), atualizados até 02/2025, aproximadamente 24,5% da população brasileira tenha assistência médica por intermédio da Saúde Suplementar, por meio de planos de saúde privados, conforme lembra com muito frequência, o deputado distrital, Jorge Vianna (PSD), em situações de emergência, “todo brasileiro é usuário do SUS”.
Nesse contexto, seja durante o socorro em casos de acidentes, agressões com vítimas, desastres ou em intercorrências graves que demande atendimento emergencial, o cidadão será socorrido, por profissionais do SAMU ou do Corpo de Bombeiros Militar (CBM) e, obrigatoriamente, conduzido a um hospital público, portanto sob amparo do SUS.
Porém, conforme apontou ainda a cantora, também, influenciadora digital Alessandra Mendes Firmiano, conhecida por Cariúcha o SUS está presente no dia-a-dia das pessoa muito mais do que imaginam. Isso ao destacar, por exemplo a atuação de unidades de saúde, na vigilância sanitária com a definição de regras e condições de uso de produtos consumidos pelos brasileiros, ou a vigilância epidemiológica e de endemias, que lida com transmissões de doenças entre, ou aos, seres humanos, seja por insetos, animais.
Outro fator com grande impacto em relação a sobrecarga do SUS, estão as ações políticas ou de interesses de políticos, que podem ser percebidas no Executivo por parte de governantes, do Legislativo e até mesmo do Judiciário.
No executivo, fatores como a descontinuidade de políticas públicas, que deixam obras iniciadas em gestões anteriores a se transformar em elefantes brancos, realização de licitações com interesses escusos ou em esquemas de sobrepreço, falta de capacidade de gestão, em geral proveniente por nomeações políticas de gestores sem capacitação; ou em adoção de prioridades, mal planejadas, em que se constrói unidades de saúde, porém, falta recursos para aquisição e instalação de equipamentos médicos ou contratação de pessoal, ainda que municípios dependam do Estado e esses, por sua vez, da União. Se soma a isso, também, interesses como a delapidação integral ou parcial, seja estrutural, ou por falta de recursos humanos, das unidades de saúde, com finalidade de se justificar, por exemplo, a terceirização e até quarteirização dos serviços de saúde. Em especial os de alta complexidade, de interesses de conglomerados poderosos, ou ainda de associações corporativas, a exemplo de anestesistas, de modo a controlar o fluxo e ter poder de precificar, para acima do valor praticado pela gestão pública, os serviços médicos.
No Legislativo é patente a o desvio da atenção de políticos, quando o assunto é destinação de recursos, entenda-se, emendas parlamentares, quando o assunto é saúde. Embora o discurso para a necessidade de o governo melhorar a oferta na assistência do SUS, na aquisição de equipamentos ou ainda na contratação de pessoal.
Conforme lembra o distrital, Jorge Vianna, os recursos de emendas, que vão para a veia, não são vistos nas ruas pela população, logo, aos olhos dos parlamentares, não convertem em votos. Na Câmara Legislativa do DF (CLDF), o deputado adotou a prática de destinação de ao menos 60% das emendas parlamentares à Saúde, em geral, tais destinações chegam a mais que o dobro das verbas direcionadas por outros deputados.
Outro fator responsável por atingir em cheio o Brasil, e colaborar pelo aumento das filas no SUS, está diretamente relacionado a como o ex-presidente, Jair Messias Bolsonaro (PL/SP) ao lidar com a pandemia do coronavírus (Sars-Cov2), a chamada Covid-19. Com uma boa dose de negacionismo e interesses escusos, Bolsonaro colocou o Brasil no ranking de segundo país com maior número de óbitos, de aproximadamente 750 mil mortes por Covid, atrás apenas dos EUA. Desse montante, conforme levantamento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI), com aproximadamente 400 mil mortes evitáveis.
Dentre outras tantas pérolas, Bolsonaro se certou de médicos negacionistas para questionar o que chamou de “gripezinha”, com suporte suportes questionáveis, a exemplo do Conselho Federal de Enfermagem (CFM), no que tange a liberdade aos médicos à prescrição de medicamentos mesmo após notificação da própria Organização Mundial de Saúde (OMS), da falta de comprovação científica de eficácia, de medicamentos como Hidroxicloroquina, Cloroquina, ivermectina, Nitazoxanida e Azitromicina.
Dado o enredo o ex-presidente descartou dois ministros da Saúde ao demitir o médico Henriqeu Mandetta (Abr/2020) e posteriormente ver o também médico Nelson Teich pedir exoneração do cargo após 30 dias da nomeação, por discordar da tentativa de Bolsonaro de impor ‘protocolos’ condenáveis para lidar com a Pandemia. Vaga essa preenchida por general do Exército Brasileiro (EB), Eduardo Pazuello, sem nenhum conhecimento em medicina, dono do lema “manda quem pode, obedece que tem juízo”, militar esse a ficar no cargo durante dois dois quatro anos de pandemia no país, substituído em seguida pelo médico Marcelo Queiroga (Mar/2021).Fprivado
Informações essas que ajudam a explicar as burlas ao isolamento social, necessário a evitar a disseminação do coronavírus, o retardo para aquisição de vacina, que acabou por entrar no país após o ex-governador de São Paulo, João Dória (PSDB)(2021), forçar pressionar o Governo Federal, ao anunciar a compra da CoronaVac, desenvolvida por cientistas do Instituto Butantan com a empresa chinesa Sinovac para imunizar a população de São Paulo.
Mais que isso, além das mortes evitável, as ações negacionistas também impactaram em maior tempo de permanência e falta de controle da pandemia no Brasil, o que consequentemente aumentou as demandas por atendimentos e realizações de cirurgias eletivas – não emergenciais, de modo a ‘engrossar ou esticar’ as filas que Jojo Todynhoa se refere para condenar o SUS.
Aos que reclamam do SUS, vale a pena conferir reportagem do Passaporte InvestNews, que aborda o alto custo do acesso a saúde, nos Estados Unidos da América (EUA), acessos a tratamentos responsável, segundo dados apresentados pelo jornalista e apresentador Dony de Nuccio, 66,5% dos casos de falência pessoal nos EUA se deram por conta de despesas médicas.
Dados esses facilmente corroborados e veiculados pela imprensa ou por brasileiros, nas redes sociais, que se assustam quando, em alguns países, precisam ter acesso a tratamento médico.
Em alguns países, lidar com uma gripe um pouco mais pesada, com necessidade de uma consulta médica pode arrancar até US$ 300, equivalente a R$ 1.760 do paciente, de acordo com a Omint Seguros; Um procedimento cirúrgico então, é de tirar o rim de uma pessoa nos EUA, por poder chegar a US$ 100 mil (R$ 587 mil) e isso não inclui o custo de traslado com uma ambulância, com valor avaliado entre US$ 400 (R$ 2,36 mil) e US$ 1,2 mil (R$ 7,4 mil). E se houver necessidade de internação, prepare a alma, com um desembolso estimado entre US$ 3 mil e US$ 4 mil (R$ 17.600 e R$ 23.467). Mas fique tranquilo que sem os custos com medicamentos são cobrados a parte.
Em contraponto natural à visão estereotipada de Jojo Todynho, na segunda-feira (7/Abr), reportagem do jornal inglês Telegraph noticiou o emprego da Atenção Primária à Saúde (APS), em um bairro londrino, no Reino Unido. Um projeto piloto, em bairro londrino e plano decenal do governo britânico está a receber a ação inspirada nos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) do SUS.
A reportagem, assinada pelas jornalistas Laura Donnelly e Claudia Marquis, questiona se o modelo aplicado na APS por intermédio dos ACS, será capaz de salvar o NHS (National Health Service) no português, Serviço Nacional de Saúde.
No contexto, nada melhor que a posição do MS, para apresentar dados oficiais sobre o SUS. Sem mencionar nomes, o Ministério fez uma paródia ao parafrasear o título do hit que deu vida à Jojo Todynho, intitulado ‘Que tiro foi esse?’, ao questionar a visão estereotipada que se tem em relação ao SUS.
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Além de ‘desenhar’, o MS contratou Cariucha para também para esnobar o força do SUS, para a população do Distrito Federal, inclusive da própria Jojô Todynho que exerce o direito de questionar falhas que deveriam ser sanadas pelo sistema. Mas que precisa compreender que a complexidade, a mutação com melhorias e inovações alcançam um público de 211 milhões de brasileiros e que o pleno funcionamento não depende exclusivamente do planejamento no papel, mas também, da execução responsável por todos os agentes envolvidos no escopo da saúde pública brasileira. Inclusive, com cobranças, porém, coerentes.
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