Por Amanda Gonçalves
Na manhã desta quinta-feira (5/12), a Comissão de Defesa dos Direitos Humanos da Câmara Legislativa do Distrito Federal realizou uma reunião extraordinária para analisar os dados do 2° Relatório dos Impactos da Criminalização da Homotransfobia no DF. O documento, elaborado pelo Centro de Defesa dos Direitos Humanos e o Grupo Estruturação, mostra um aumento de 446% nos casos de discriminação e violência contra pessoas LGBTQIA+ na cidade, saltando de 15 ocorrências em 2019 para 82 em 2023.
Segundo o levantamento, o Plano Piloto lidera o aumento no número de registros, passando, entre 2022 e 2023, de 35 para 59 casos. Taguatinga, Ceilândia e Samambaia também se destacam pelos índices elevados. Durante o mesmo período, o relatório aponta, ainda, um crescimento de 13,2% no registro de ocorrências por outras crimes além da homotransfobia, como injúria e ameaça, em que as vítimas são LGBTQIA+, de 263 para 298 casos.
Em relação ao perfil das vítimas entre 2022 e 2023, o documento mostra que a maioria é composta por jovens adultos entre 18 e 30 anos, totalizando 305 casos. A distribuição de denúncias por gênero é de 39% mulheres e 59% homens, enquanto pela raça, predomina parda, com 35%, e branca, com 19%. Os dados utilizados na produção do relatório foram fornecidos pela Secretaria de Estado de Segurança Pública e pela Polícia Civil por meio da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/11).
Denúncias e soluções
Os dados do relatório revelam que a injúria foi o tipo de ocorrência mais comum entre 2022 e 2023, seguida por ameaça, homotransfobia e lesão corporal. No entanto, enquanto injúria e ameaça, de um ano para o outro, diminuíram o percentual de registros — de 51% para 43% e de 39% para 35%, respectivamente —, a homotransfobia aumentou de 27% para 29%.
Ainda de acordo com o documento, ocorrências enquadradas na Lei Maria da Penha tiveram o maior percentual de resolutividade, chegando a 17%, também representando o maior percentual de instauração de inquérito, havendo o procedimento em 95,7% dos casos em 2022 e em 100% dos casos ocorridos em 2023.
Na análise de Verônica da Silva, pesquisadora, pedagoga e especialista em gestão pública, das naturezas criminais verificadas, a homotransfobia, além de apresentar maior aumento no número de casos, tem o menor taxa de resolução.
“Temos um resultado muito bom de resolutividade em casos Maria da Penha, mas conseguimos identificar que a homotransfobia tem o menor percentual de solução. Era por volta de 9% em 2022 e passou para 10% em 2023. Tivemos o aumento de apenas 1% na solução desses casos de um ano para outro”, observou a pesquisadora.
Cenário alarmante
Verônica da Silva também destacou que apesar da criminalização da homotransfobia no Brasil pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2019 elevar a quantidade de denúncias nos últimos anos, as informações apuradas ainda apresentam um cenário alarmante na incidência de violência contra a comunidade LGBTQIA+ no DF.
“O que notamos, e era esperado após a criminalização, é que houvesse aumento no registro desse tipo de crime, até pela conscientização da comunidade, mas notamos que continua crescendo”, explicou Verônica da Silva. “Agora, seis anos depois da criminalização, temos que se pensar em estratégias para mitigar esse número”, frisou.
Na avaliação de Fábio Felix (PSol), presidente da Comissão de Direitos Humanos, apesar de negativos, os dados do relatório indicam maior encorajamento das vítimas de homotransfobia para denunciar atos de violência e discriminação, uma vez que há noção de respaldo legal.
“A homotransfobia não necessariamente diminuiu, mas as pessoas estão falando e denunciando. Temos mais registros e mais resposta do que tínhamos antes, com protocolos claros de como isso deve acontecer”, enfatizou Felix. “Dos casos que acompanhamos, que houve flagrante, a polícia conduziu para a delegacia os autores e uma parte deles foi mantida presa por crime inafiançável porque as instituições policiais atuaram nesse contexto”, relatou.
De acordo com o distrital, a Comissão de Direitos Humanos recebeu 43 denúncias por homotransfobia em 2024. Os registros, segundo Felix, mostram que na maioria dos casos a violência se manifesta em ambientes sociais, como estabelecimentos comerciais e transporte público, envolvendo agressões físicas, verbais e psicológicas.
Lacunas
A respeito da metodologia e dos resultados da pesquisa, Michel Platini, presidente do Centro Brasiliense de Defesa dos Direitos Humanos e do Grupo Estruturação, explicou que apuração dos dados do 2° relatório oferecem uma análise mais detalhada dos impactos da criminalização da homotransfobiaem relação ao documento elaborado anteriormente. “No primeiro relatório, todas as denúncias vieram misturadas e a gente teve uma certa dificuldade de separar o que era ou não homotransfobia. Nesse, conseguimos fazer um pouco melhor essa separação”, relatou Platini.
Segundo o presidente do CentroDH, no entanto, ainda há lacunas no recente levantamento. Apesar de identificar naturezas criminais, instauração de inquéritos e soluções das autoridades, o relatório não abrange informações específicas a respeito de características interseccionais, como orientação sexual e identidade de gênero. Platini salienta que há uma demanda por refinamento nos formulários de denúncia para ampliação da coleta de dados.
“No último relatório, apontamos para o poder público que tinha necessidade de implementar protocolos e formulários para que conseguíssemos identificar de onde vem a violência e quais são os segmentos mais atingidos”, disse Platini. “É uma ausência que não foi resolvida, por isso ainda temos dificuldade de sinalizar, por exemplo, se (a denúncia) foi de uma mulher trans ou cis”, contextualizou.