Único fabricante comunicou em julho do ano passado que cancelaria fornecimento Por Renata Mariz
O remédio dactinomicina, essencial para tratar vários tipos de câncer em crianças, está em falta no país. A única empresa com registro no Brasil para comercializar a droga comunicou, ainda em julho do ano passado, que cancelaria o fornecimento, garantindo, no entanto, a venda do medicamento por mais um ano. Mesmo com esse prazo extenso para procurar novos fornecedores, o Ministério da Saúde não conseguiu evitar o desabastecimento.
Documentos obtidos pelo GLOBO mostram que os estoques mantidos pelo Laboratório Bagó, que deixou de comercializar a dactinomicina, tinham menos de 100 frascos em 20 de outubro deste ano. Nessa data, em comunicado ao Ministério da Saúde, a empresa ressaltou que os pedidos dos hospitais já superavam o volume de medicamento disponível. Na ponta, pacientes já começam a sentir os efeitos da falta da dactinomicina.
— Algumas crianças não estão conseguindo o medicamento. O que a gente temia e vinha alertando, desde o ano passado, está ocorrendo — afirma a médica Teresa Fonseca, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica (Sobope).
Ela explica que, para muitos tumores, não há droga que substitua a dactinomicina. Além de crianças, o medicamento combate também alguns tipos de câncer em adolescentes e adultos. A interrupção da quimioterapia com o remédio, segundo Teresa, é grave no câncer infantil porque pode comprometer o prognóstico na vida adulta em relação à recidiva.
— A chance de a doença voltar é maior com a ausência do medicamento. Esperamos que as compras do governo cheguem logo para não termos um quadro ainda mais grave — diz Teresa.
Apesar de alertado desde julho de 2014 sobre a paralisação do fornecimento pelo único laboratório autorizado no país, o Ministério da Saúde fez os primeiros movimentos efetivos para adquirir a droga de outra fonte em setembro passado, quando solicitou orçamento a quatro empresas. Apenas um laboratório europeu apresentou proposta. Em 27 de novembro, foi publicada no Diário Oficial da União a compra, sem licitação, de 14.790 frascos de dactinomicina.
Só que a primeira leva do produto — metade da compra — está prevista para chegar ao Brasil na segunda quinzena de janeiro. Isso porque ficou acertado que o fornecedor teria 40 dias da assinatura do contrato para entregar a primeira parte. E 90 dias para enviar o restante. O valor total da compra foi de R$ 3,7 milhões.
Juliana França da Mata, professora de pediatria na Universidade de Brasília e médica que atende tanto no SUS quanto na rede privada, diz que a dactinomicina é um remédio barato, em relação a outras drogas, com ação fundamental no tratamento de crianças. Por esses motivos, destaca a oncologista, não justifica haver desabastecimento:
— Esperamos que haja uma solução que seja breve e definitiva, porque senão teremos sempre esse desabastecimento transitório, o que prejudica muito os pacientes.
O Ministério da Saúde foi procurado, mas não respondeu os questionamentos feitos pelo GLOBO.
Fonte: O Globo