Saúde do DF finaliza estado de emergência, mas a situação é de calamidade pública



Além da falta de servidores, desabastecimento de medicamentos, insumos e manutenções e pagamentos de fornecedores continuam nas unidades de saúde

Por Kleber Karpov

Na última semana, após dois anos e meio, o governador do DF, Rodrigo Rollemberg (PSB) decidiou por deixar de estender o decreto de Estado de Emergência, na Saúde Pública do DF. Embora a Secretaria de Estado de Saúde do DF (SES-DF) tenha pontuado diversos fatores para justificar o fim dessa condição, as unidades de saúde permanecem com os mesmos problemas.

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A falta de servidores para fechar escalas de serviços, de medicamentos e insumos,  atrasos nos pagamentos de fornecedores ou das Horas Extras (HEs), deficiência em manutenções de equipamentos e sistema de informações são alguns dos problemas que elencam o que muitos consideram “falta de gestão” por parte da SES-DF.

Falta de Pessoal

Na última semana, Política Distrital (PD) recebeu denúncia da continuidade da superlotação no Hospital Regional de Taguatinga (HRT) e da falta de técnicos em enfermagem para suprir a demanda da Escala. A queixa desses profissionais, de medo de acabarem por cometerem erros e sofrerem sanções e até comprometerem os registros junto ao Conselho Regional de Enfermagem do DF (COREN-DF), se justifica, pelo excesso de pacientes direcionados aos cuidados desses trabalhadores, como pode ser percebido em escalas desfalcadas de trabalho.

A SES-DF se manifestou (26/Jul) sugerindo que “Gerência de Enfermagem local monta as escalas de acordo com os parâmetros legais”. Mas não é essa a percepção de uma técnica em enfermagem que, sob sigilo de identidade, conversou PD e expôs as dificuldades e dilemas enfrentados pelos servidores e, principalmente, aos riscos que os pacientes estão expostos, no HRT, problema que pode estar se repetindo em outras unidades de Saúde.

Foto: Divulgação/Arquivo

“Na ala feminina as vezes temos 60 pacientes, na masculina a mesma quantidade, e às vezes até mais. Em geral são dois servidores para atender todos esses pacientes. Além disso temos que fazer internações. As vezes eles [pacientes] têm que fazer os exames, como as glicemias dos diabéticos. Quando eles não têm aparelho de casa, e não tem servidor com aparelho para verificar essa glicemia, sabe o que acontece? O paciente muitas vezes fica sem glicemia, pois não tem servidor para fazer. Ali na área vermelha, o certo seria ter ao menos oito técnicos, quatro na ala feminina e quatro na masculina. Agora com apenas duas pessoas, eles não conseguem fazer os atendimentos, aí temos que dar prioridades nas medicações, mas quem somos nós para priorizar atendimento aos pacientes?”, questionou.

A técnica também alertou para a exposição dos pacientes ao risco de contaminação. Segundo a profissional, na ala vermelha, considerada uma semi Unidade de Terapia Intensiva (UTI), sobretudo em decorrência dos atrasos das horas extras, a constante falta de técnicos em enfermagem deixam sobrecarregados os poucos servidores escalados. Esses, em muitas ocasiões são obrigados a escolher entre fazer a medicação ou a higienização dos pacientes.

Foto: Divulgação/Arquivo

“Com os atrasos das horas extras, temos falta de servidores, pois quando o pagamento estava normal, sempre chegavam dois técnicos para ajudar a atender esses pacientes críticos. Agora, sem esses servidores, tem condições de atender os pacientes? Não tem, temos que priorizar entre fazer as medicações ou a higienização do paciente. É humanamente impossível fazer as duas coisas. E eles [os pacientes] nesse caso ficam em uma área em que não pode ter a presença do acompanhante, pois são pacientes em estados críticos, que acabam apenas com a medicação.”

Ainda segundo a técnica, a superlotação na sala de admissão, onde chegam pacientes, em geral, em estados críticos com ferimentos provenientes de acidentes de trânsitos, ou vítimas de disparos com arma de fogo é um cenário críticos pois a estrutura comporta apenas monitoramento e balões de oxigênio para apenas três pessoas.

“Na área vermelha, que agora é sala de admissão, nos só podemos atender três, pois temos três balões de oxigênio e três monitores. Na maioria das vezes não tem nem balões de oxigênio suficientes para os pacientes. Ali chegam os baleados, os acidentados e vão lotando. E eles [gestores] não tiram os pacientes que deveriam ser levados para à área amarela e vão deixando os pacientes que vão chegando, internados ali. ”explicou

A servidora também aponta problemas na sala de medicação, também afetado por falta de técnicos em enfermagem. “Os enfermeiros quando vão fazer a escala, tiram o servidor do box de injeção e levam para a assistência, aí fecham o box de injeção. Sem ninguém para atender, os médicos também param de entender e aí, lota lá fora”, disse.

Foto: Divulgação/Arquivo

Vale observar que a SES-DF tentou amenizar o problema “no caso específico do Pronto-Socorro, nem sempre o quantitativo de profissionais escalados é compatível com o número de pacientes que procuram a unidade. O HRT esclarece que toda a demanda de Pronto-Socorro deve ser absorvida e os profissionais não podem negar atendimento.”.

Enquanto desculpa, até seria aceitável, porém há poucos dias o HRT figurou na mídia em decorrência do mesmo problema. Caso esse acompanhado pelo COREN-DF, Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem do DF (SINDATE-DF) e outras entidades ligadas à Saúde.

Mas enquanto afirmação da SES-DF o posicionamento apenas reforça os receios dos técnicos em enfermagem do HRT, por terem como certo que em qualquer momento podem ser responsabilizados por alguma tragédia, por falta de profissionais, o suficiente, para prestar assistência aos pacientes.

Ponta do iceberg

O problema com a falta de técnicos em enfermagem, maior categoria da Saúde, no HRT, além de se repetir em outras unidades da SES-DF, se refletem em apenas na ponta do iceberg, a considerar outras tantas demandas em toda a estrutura da saúde pública do DF.

Embora a SES-DF tenha negado o episódio, na quarta-feira (26/Jun), PD recebeu denúncias que a equipe do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU) resistiu a transportar dois pacientes, em estado grave.

Internados na Unidade de Pronto Atendimento (UPA) Ceilândia, precisavam fazer tomografia no Hospital Regional de Samambaia (HRSAM), porém, de acordo com o denunciante, sob sigilo de identidade, “ao ligar para o SAMU, o mesmo se recursa a levar o paciente devido a falta de pilhas para a bomba de infusão”.

No entanto, o parecer da SES-DF foi outro. “Um paciente, que está em uso de medicamentos para pressão arterial em doses altas, foi removido nesta tarde, assim que a bomba de infusão foi disponibilizada para o procedimento.”, afirmou, sem revelar que o equipamento só foi utilizado, porque os servidores compraram as pilhas.

No Hospital Regional do Gama (HRG), uma paciente de 51 anos veio a óbito, na manhã de quinta-feira (27/Jul), por falta de leito de UTI, caso comum e corriqueiro nas unidades de saúde do DF.

A falta de medicamentos é outro ponto traumático na SES-DF, seja em centros de saúde, UPAs, hospitais ou mesmo na Farmácia de Alto Custo, o problema é sempre o mesmo, listagens de medicamentos são publicadas para expor o desabastecimento. Nesse contexto, chama atenção que a SES-DF sempre se pronuncia ao anunciar que “está comprando” ou “em fase final de compra”, porém, chama atenção que dentro de um plano logístico, com planejamento estratégico, as aquisições acontecem, mas em demandas e quantidades suficientes para atender demandas por longo períodos de tempo.

Superlotação

A superlotação na UPA Sobradinho, nesta sexta-feira,   também foi motivo de denúncia ao PD. A unidade que deveria fazer internações de, no máximo 24 horas, 32 pacientes internados e a fila de atendimento, para quem estava do lado de fora era ‘infindável’.

Sob sigilo de identidade, um servidor denunciou os casos de dona Maria de Fátima Pereira de Araújo, de 57 anos, ou ainda de Francinente Silva da Conceição Freire, 31 anos. Ambas aguardaram, por mais de 25 e 21 horas, respectivamente, sem receber atendimento.

“Hoje o subsecretário veio aqui para ver os problemas. Temos 16 pacientes internados na sala amarela, 7 pacientes na vermelha para um médico, na verde outros 9. O caos na saúde, todos nós já conhecemos, mas a insuficiência de médicos para atender pacientes é notória. O descumprimento de ordens judicias e a falta de amor ao próximo são marcas claras e transparentes desse governo e seus secretários. Que não nos esqueçamos disso na hora de voltar. ”, disse.

Foto: Reprodução/Track Care

Sobre os pacientes internados na UPA Sobradinho, segundo a SES-DF: “Eles permanecerão na unidade até que haja condições para clínica hospitalar ou vaga para transferência no Hospital Regional de Sobradinho.”.

Prioridades

No Hospital de Base do DF (HBDF), os problemas também são proporcionais ao tamanho da unidade. Desabastecimento, água fria, falta de medicamentos são parte constante das reclamações. Mas a unidade está em obras, o que pare alguns  servidores “o secretário de saude [Humberto Lucena Pereira da Fonseca] está preparando o ambiente para entregar para terceiros, para o Instituto HBDF”, que deve ser implementado à partir de janeiro.

Um servidor, também sob sigilo da identidade, denunciou o caso por ocasião da falta de água quente. Naquela semana, PD recebeu a denúncia. “Eles deixam os pacientes tomando banho na água fria mas estão gastando R$ 5 milhões em obras para deixar tudo arrumadinho para depois entregar ao tal do instituto.”, disse.

PD apurou o caso e a SES-DF (16/Jul) confirmou que “a fachada do Hospital de Base do DF está passando por obras para substituição dos brises, quebra-sol  que impede a ação do sol sem perder a ventilação.”. A pasta confirmou ainda o valor da obra, estimado em R$ 5 milhões.

“O serviço é necessário para troca da estrutura de suporte que é muito antiga. A obra de recuperação da fachada está orçada em aproximadamente R$ 5 milhões e deve ser concluída até novembro. No momento, a estrutura do prédio está sendo preparada para receber os brises.”.

A posição chamou atenção de PD, porque, em 2014, a SES-DF fez instalação de brises de alumínio, em toda estrutura da fachada do Pronto Socorro do HBDF em 2014 e literatura técnica aponta, de acordo com normas da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT) apontam um tempo de vida útil médio, de instalações semelhantes, de no mínimo oito anos e meio.

Sistema de Informação

Foto: Reprodução/Whatsapp

Na atual gestão da SES-DF, os sistemas de gestões de informações da SES-DF passaram a apresentar problemas recorrentes. A partir da falta de renovação de licença de uso, em 2015, para que a SES-DF, pudesse ampliar a base de dados de modo a incorporar os mais de 3 mil novos servidores nomeados, falta de crachás, de ponto eletrônico, bloqueios e instabilidades nos sistemas Track Care, Forponto, se tornaram regras. Nessa semana, unidades deixaram de realizar exames, a exemplo do HBDF, porém por problema relacionados a vírus em computadores em toda a rede do GDF. Mas até esse pequeno problema é uma demonstração de total falta de gestão por parte, nesse caso em específico, do GDF, com consequências desastrosas, pois impediu que cidadãos recebessem pleno atendimento em unidades de Saúde.

Mas, em relação à SES-DF, PD recebeu alerta, em 7 de julho, de uma possível ‘novela’ que deve se iniciar com o Track Care, sistema de gerenciamento de atendimentos deve voltar a dar dor de cabeça. Naquela data o software parou toda rede. Segundo fonte que não quer ser identificada, “A área de informática está sem contratos de manutenção importantes e imprescindíveis.”.

Desde então, uma série de eventos revelam problemas provenientes a falta de pagamento, manutenção e soluções paliativas, a exemplo de falta de backups [cópia de segurança], segundo a fonte de PD,  adotadas para que a SES-DF possa tentar manter os sistemas em funcionamento.



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