Servidores seguem, com empenho, na linha de frente no atendimento da Covid-19, mas não escondem medo com a nova rotina que assumiram
Medo e saudade. Dois sentimentos que se misturam à força e à coragem de quem precisa lidar, diariamente, com pacientes diagnosticados ou suspeitos de estarem com coronavírus. Profissionais que precisaram abrir mão da família, de cuidados pessoais, da quarentena, em prol da segurança daqueles que amam e em nome do atendimento rápido e eficaz a quem precisa ser tratado.
Força e coragem, aliás, são duas coisas que a médica Milene Dantas Diogo tenta repassar, diariamente, aos 64 médicos que ela coordena como chefe substituta do serviço de clínica médica do Hospital de Base, uma das unidades referência para atendimento de pacientes com coronavírus.
“Montei um grupo no WhatsApp para tentar solucionar problemas que apareçam e atualizar os profissionais sobre mudanças operacionais e de logística. Quando quem está na ponta tem apoio imediato, as coisas ficam mais fáceis de serem carregadas”, observa.
A médica fala com muita segurança sobre o processo de trabalho, mas ao comentar sobre as mudanças que precisou fazer no ciclo familiar, não consegue conter o choro. “Estou mais fragilizada como mãe do que como médica. Porque, no trabalho, a gente monta o cenário, traça as estratégias e vai para cima. Em casa, com filhos adolescentes sempre proativos, não sei como estão processando isso e me preocupo do ponto de vista emocional e psicológico”, desabafa.
Mãe de três filhos, com idades de 8, 13 e 16 anos, Milene conta que precisou reorganizar tudo em casa. Ficou com apenas uma das empregadas, que cuida das crianças, já que o marido também é médico e atua no Hospital de Base. A saudade da mãe também aperta. “Toda sexta-feira ela buscava meus filhos na escola e ia almoçar com a gente. Agora, só podemos nos ver pelas chamadas de vídeo”, conta, com a voz embargada.
Em casa, precisou desenvolver novas tarefas, como cuidar do jardim, da piscina e até mesmo cortar os cabelos dos filhos.
Longe de quem ama
A enfermeira Gabriela Alves Rodrigues tomou uma atitude ainda mais severa: está longe do marido e dos filhos há pouco mais de 20 dias. Ela está em casa, sozinha, enquanto o restante da família foi morar com a sogra. “Não tem sido fácil”, destaca.
Ela conta que, no trabalho, muita coisa também mudou. Além dos treinamentos constantes, o medo e a angústia passaram a fazer parte da rotina. “Pensamos, o tempo todo, que nossos familiares e colegas de trabalho podem adoecer e até morrer por isso”, destaca ela, dizendo que tem recebido apoio psicológico no Hospital de Base, onde trabalha.
Referência
Gerente de Assistência Clínica no Hospital Regional da Asa Norte, referência para atendimento da Covid-19, a médica Francielle Pulcinelli Martins conta que oscila os pensamentos entre a normalidade e o medo.
“A rotina no Hran sempre foi pesada, com muitos atendimentos. Mas, agora tem o medo como agravante, pois sabemos que o vírus é extremamente contagioso. Temos medo, mesmo tomando todos os cuidados”, observa.
Mesmo com este sentimento, em casa ela tenta tranquilizar os dois filhos, de 4 e 6 anos de idade. “Tento relaxar fazendo brincadeiras com as crianças em casa”, conta a médica. Ela diz que sempre deu muito valor aos momentos em família e a reunião com pais, irmãos, sobrinhos e amigos. “Hoje, vejo ainda mais o valor imenso que isso tem”, frisa.
Também na linha de frente no atendimento, a enfermeira Gabrielle Pessoa mostra as marcas que ficam no rosto ao fim de um plantão. “São horas e horas paramentada. Muitas vezes, não vamos ao banheiro, não bebemos água, esquecemos de nós em prol dos outros”, destaca.
Para amenizar a carga, Gabrielle busca fazer coisas de que gosta para se desligar de tudo que vê no hospital. “Amo minha profissão, estou empenhada e disposta para enfrentar tudo isso, mas, de algum modo, toda essa instabilidade nos comove como ser humano”, destaca.
A enfermeira conta que desde que começaram a surgir os primeiros casos no DF, anda mais sensível. “Choro com mais frequência, estou ansiosa. Querendo ou não, temos o sentimento de medo, incerteza, insegurança, por ser algo novo”, diz ela, que acrescenta: “hoje, valorizo ainda mais o abraço, como demonstração de afeto. Sinto falta do contato com o outro, do aperto de mão, do beijo no rosto, das conversas mais próximas. Detalhes que antes passavam despercebidos”, fala.
Apesar de todo esse sentimento misturado, Gabrielle diz se sentir lisonjeada em estar na linha de frente. “Isso irá me acrescentar muito, profissionalmente. É um momento histórico, no qual todos estão empenhados, desde serviços gerais até a alta complexidade”, destaca.
Atendimento remoto
A médica reguladora e intervencionista do Samu e do aeromédico, Gabriela Botár, atua no serviço há sete anos e conta já ter vivido situações extremas no trabalho, com vários atendimentos seguidos durante o plantão, em locais de difícil acesso e que exigiam resiliência, mas, nada comparado ao que tem vivido hoje.
Para ela, uma das grandes dificuldades é precisar se atualizar rapidamente para os atendimentos, pois a doença é nova. “E por se tratar de um vírus altamente contagioso, precisamos tomar os cuidados especiais em relação ao uso de EPIs, higienização da viatura e de materiais”.
Ela conta que se distanciou de familiares e amigos. “Foi a decisão mais sensata, já que estou na linha de frente. Para amenizar essa situação, faço vídeo chamada para eles quando estou de folga. Não é a mesma coisa de tê-los pessoalmente, mas é o que tem me ajudado no quesito saudade”, conta.
Para diminuir a pressão, ela diz que tem buscado alívio na espiritualidade, contato com plantas e animais, lendo sobre assuntos diversos. “Faço terapia online, exercícios físicos em casa e tento refletir sobre o que tudo isso tem a nos ensinar. O momento é delicado e exige serenidade e equilíbrio dos profissionais de saúde. É preciso apreender, desaprender, construir, reconstruir, inventar, reinventar e principalmente ressignificar. Acredito que depois do coronavírus seremos humanos e profissionais melhores”, finaliza.
Também no Samu, o condutor de viaturas Cleiton Souza conta que a rotina de trabalho mudou com a chegada do novo vírus. “O núcleo de educação sempre abordou uso de equipamento de proteção individual, mas agora aumentou a preocupação no retorno à base, preocupando com a higienização de utensílios e móveis”, conta.
O retorno para casa, onde mora com a esposa e uma filha, também passou a ter cuidados a mais. “Troco a roupa, ainda na base, ao fim do expediente e levo para casa, separada em uma sacola, e já coloco para lavar imediatamente”, detalha. Ele conta que também tem buscado coisas para aumentar a imunidade, como melhorar a alimentação.
Fonte: Agência Saúde DF