Transferência da pediatria do Hospital de Base para Hospital da Criança gera debate sobre terceirização da saúde no DF



Profissionais de saúde são contra o modelo defendido pelo GDF

O anúncio da transferência do departamento de pediatria do Hospital de Base, o maior hospital público do DF, para as dependências do Hospital da Criança de Brasília José Alencar, administrado pelo Instituto do Câncer e Pediatria Especializada (Icipe) gerou intenso debate e a desconfiança de que a saúde na capital possa ter outras terceirizações.

Entidades de servidores da saúde do DF alegam que a mudança na gestão pode não aliviar os gastos do governo e ainda prejudicar o atendimento, como aconteceu em casos semelhantes de terceirização da gestão da saúde para organizações sociais (que é o caso do Icipe). Já o Governo do Distrito Federal nega que essa transferência de gestão seja uma terceirização ou parte de um projeto de terceirização da saúde da capital e alega que a transferência é necessária para cortar gastos e melhorar o atendimento.

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O anúncio da mudança de gestão da pediatria do Hospital de Base foi feito pelo Governo do Distrito Federal (GDF) no fim de setembro. A terceirização está prevista para começar em janeiro de 2016 e segue até 2019.

A transferência da gestão para a organização social deveria acontecer em outubro de 2016, mas foi antecipada pelo GDF. Com a nova data, o contrato receberá um termo aditivo com um novo plano de metas e novos valores. Atualmente, o Governo do Distrito Federal paga ao instituto cerca de R$ 7 milhões por mês.

Os atendimentos que hoje são realizados no prédio da pediatria do Hospital de Base serão transferidos para o Hospital da Criança de Brasília José Alencar. A mudança depende da conclusão do bloco II. Com a expansão, o hospital contará com 202 leitos, sendo 164 para internação e 38 de UTI (Unidade de Terapia Intensiva) e cuidados intermediários. Atualmente, toda a rede hospitalar conta com 64 vagas, sendo 9 leitos de UTI no pediátrica e 3 neonatal no Hospital de Base.

A medida foi duramente criticada pela diretora do núcleo jurídico do Sindate-DF (Sindicato dos Auxiliares e Técnicos em Enfermagem do Distrito Federal), Elza Aparecida, que chegou a dizer que “a terceirização é o caminho mais curto para a corrupção”. A sindicalista, que trabalha há 25 anos no Hospital de Base, diz que os servidores não foram ouvidos sobre a mudança.

— Isso (a terceirização) veio de cima. Quem toma a decisão é a Secretaria de Saúde. Deveriam ouvir outras propostas dos servidores. Quando o GDF não repassar a verba para a OS, eles vão suspender o atendimento. Quem tem compromisso com o atendimento da população somos nós servidores.

Elza conta que os funcionários suspeitam que a hematologia e a oncologia do Hospital de Base, além dos postos de saúde da Ceilândia, também estejam na lista de terceirização do GDF.

— É o comentário que circula entre os servidores. Nós não sabemos em quem acreditar. O governo não se posiciona. Do jeito que foi feito com a pediatria, que ninguém falou nada com a gente, fica todo mundo trabalhando sem saber o que vai acontecer.

A servidora não acredita que repassar a administração para as organizações sociais vá resolver os problemas.

— Se OS fosse a solução do problema, nós não teríamos pacientes do [Estado de] Goiás aqui. Lá, boa parte dos hospitais tem esse modelo de gestão e, no entanto, os pacientes são encaminhados para cá.

O presidente do Conselho de Saúde do Distrito Federal, Helvécio Ferreira da Silva, diz que não há debate no conselho sobre proposta de entregar a gestão de qualquer hospital público para uma organização social. Na avaliação de Helvécio, a medida deve ser reprovada entre os membros do CSDF. O Conselho é vinculado à Secretaria de Saúde do GDF, mas composto por membros da sociedade civil.

— O Conselho é contra a entrega do controle de qualquer atividade de saúde para terceiros.

Helvécio diz ainda que o conselho, que é responsável por aprovar e acompanhar a execução orçamentária da saúde do Distrito Federal, não vê problemas quando uma organização social constrói a estrutura e o SUS (Sistema Único de Saúde) entra com equipamentos ou mão de obra (que é o caso da transferência da Pediatria do Hospital de Base), mas refuta a terceirização da saúde.

Profissionais da saúde e o próprio CSDF citam os casos do Instituto Candango de Solidariedade e da Real Sociedade Espanhola como exemplos de que a parceria com OS não é a solução para o problema da saúde pública do DF. Os contratos com as duas organizações, que administraram o Saúde da Família e o Hospital de Santa Maria, respectivamente, acabaram em escândalos de irregularidades e desvios de recursos públicos.

O empresário Edson Soares Bonfim, acompanha há 1 ano e 4 meses o tratamento da filha Maria Clara, de 1 ano e meio, que sofre de problema renal. Edson também acompanha a filha em um tratamento que faz no Hospital da Criança e defende a transferência da pediatria.

— O atendimento no Hospital da Criança é belíssimo. Às vezes tem problema na hora de marcar o atendimento, mas é pelo grande número de gente que procura o hospital. A experiência que tenho lá é até melhor do que a que tenho aqui. Os únicos problemas que vejo lá são os preços da lanchonete e a localização.

As reclamações de Edson são as mesmas que a de Queila Cardozo Moraes, de 25 anos, que levou o pequeno Paulo, 7 anos, pela primeira vez ao Hospital da Criança. Desempregada, ela conta que gasta até R$ 28 por dia que vai ao centro hospitalar e que tem que levar marmita para o filho.

— Hoje eu levei mais de 3 horas para chegar aqui. Foi um ônibus de Ceilândia até a rodoviária e outro da rodoviária para cá. É ruim porque é longe, tenho que trazer marmita. Adulto consegue segurar a fome, mas a criança não.

Apesar da administração do setor ser repassada para uma organização social, o governo nega que haja terceirização no caso da pediatria do Hospital de Base. Alega que o que existe entre a Secretaria de Saúde e o Hospital da Criança é um contrato de gerenciamento, assinado em 2011, com o Icipe. O instituto ficará responsável por toda a gestão e atendimento da pediatria do Hospital de Base, exceto a emergência. A pasta destaca que não há projeto de parceria semelhante para outra unidade de saúde do Distrito Federal.

A Secretaria de Saúde diz ainda que os servidores da pediatria do Hospital de Base poderão optar por trabalhar no Hospital da Criança. Aqueles que não aceitarem, poderão escolher outra unidade da rede de saúde pública do DF para atuar na pediatria. Caso seja necessário complementar o atendimento do hospital, o GDF autorizou a contratação de médicos celetistas.

O GDF garante que há fiscalização e controle no serviço prestado. Foi criada uma comissão de acompanhamento e avaliação. O grupo é formado por membros das subsecretarias de Atenção à Saúde; de Gestão da Educação e Saúde; de Programação e Regulação, Avaliação e Controle; e de Administração Geral, e acompanha mensalmente o contrato.

Por se tratar de uma organização social, portanto sem fins lucrativos, o dinheiro repassado pelo governo e que não for utilizado pelo Icipe será devolvido.

Colapso

No começo do ano, poucos dias após assumir o Executivo, o governador Rodrigo Rollemberg decretou situação de emergência na saúde pública do Distrito Federal. Fornecedores de medicamentos estavam sem receber pelos produtos comprados pelo GDF. Diversos leitos em UTI foram fechados e alguns serviços, como o de radioterapia, foram suspensos. O então ministro da Saúde, Arthur Chioro, chegou a declarar que o DF “vive um colapso na saúde pública”.

Em setembro, Rollemberg conseguiu fechar um acordo com os deputados distritais e sancionou uma lei que destina 80% das emendas parlamentares para a saúde. Com o acordo, o orçamento da pasta recebeu um reforço de R$ 350 milhões. De acordo com o governador, o recurso extra praticamente garante o custeio da saúde até o fim do ano.

Fonte: R7



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