Quem é da minha geração tem memórias afetivas da escola que envolvem até sensações
olfativas: cheiro de livro novo e de prova rodada no mimeógrafo. Desde então – lá se vai meio século – passamos por uma verdadeira revolução tecnológica e governos agora discutem substituir o livro impresso por versões digitais, acessíveis por computador, tablet ou celular.
A iniciativa anunciada pelo Governo do Estado de São Paulo de substituir os livros impressos do Ministério da Educação por material digital próprio gerou polêmica, tanta que até voltaram atrás e optaram por um sistema híbrido. Este, aliás, apontado por especialistas em educação como mais eficaz no processo de aprendizado.
Não há consenso ainda sobre o assunto. Escolas particulares e empresas que desenvolvem tecnologias educacionais são entusiastas da possibilidade da substituição e muitos pais não reclamariam da redução de custos e maior praticidade de ter todos os conteúdos acessíveis em uma tela plana em vez de centenas e centenas de páginas de papel.
No entanto, para além do fato de que o acesso à internet não foi ainda universalizado, educadores, psiquiatras e pesquisadores nas áreas de saúde e educação apontam que nem tudo é vantagem numa eventual revolução digital no ensino escolar.
Por um lado, o aprendizado por meio de conteúdos digitais propicia maior autonomia ao estudante e a possibilidade de expansão e aprofundamento nos temas estudados. Por outro lado, pesquisas apontam que o uso excessivo das ferramentas digitais pode provocar desequilíbrio físico e psicológico nos usuários das Tecnologias de Informação e Comunicação.
Isso se traduz em potencial isolamento social, sedentarismo, embotamento afetivo, ansiedade, depressão, dispersão de atenção e dificuldade de se perceber enquanto indivíduo único – uma despersonalização. Isso se aplica a crianças, jovens, adultos e idosos, mas pode ter efeitos mais graves nas pessoas ainda em fase de estruturação da personalidade, da infância até o início da vida adulta.
Do ponto de vista da educação há avaliações de que a memória de conteúdos assimilados por meio digital tende a ser mais efêmera do que aquela adquirida pela leitura do impresso e pela escrita manual, métodos tradicionalmente usados pelas escolas. Um artigo publicado por pesquisadores das universidades de Princenton e da Califórnia, em 2014, aponta que os estudantes que faziam anotações à mão, registravam em seus cadernos bem menos conteúdos do que os que o fazem usando computadores. No entanto, as anotações eram mais objetivas e, nas avaliações, os que escreviam à mão obtinham melhores notas do que os que usavam o equipamento eletrônico.
Evidentemente, as novas tecnologias precisam ser inseridas no processo de aprendizado – há ganhos fantásticos com as ferramentas educacionais proporcionadas pelo avanço tecnológico. Mas a experiência digital não pode levar o indivíduo a se distanciar da experiência material prática. O perigo é tornar nossas crianças e adolescentes pouco capazes de lidar com as situações práticas do dia a dia ou pouco afeitas e habilitadas para o convívio social e todas as implicações típicas dos relacionamentos humanos.
Um dos aspectos que mais me chama a atenção é essa questão da afetividade, que está relacionada também ao próprio hábito da leitura. Sou daquelas pessoas que têm amor pela coleção de livros – e ciúmes deles também. Não pelo dinheiro investido na compra de cada obra, mas pelo conhecimento adquirido e pelas memórias e emoções associadas ao momento de uma e outra leitura. Tem uma carga de subjetividade associada a cada aprendizado, a cada leitura, e isso é uma coisa que, acredito, não se deve deixar perder.
Devemos reconhecer e valorizar o universo de possibilidades que as novas tecnologias podem nos proporcionar. O progresso e as inovações são bem-vindos para nos fazer evoluir como indivíduos e como coletividade, não podem se converter em fatores limitadores ou condicionantes únicos para atingirmos a plenitude do potencial humano.
Gutemberg Fialho
Médico e advogado
Presidente do Sindicato dos Médicos do DF